Realeza tatuada

Recuperamos um artigo escrito há mais de 100 anos sobre Yoshisuke Horitoyo, um dos primeiros tatuadores viajantes do mundo que tatuava a realeza europeia

Originalmente publicado no New York Herald, no domingo, 1º de janeiro de 1899. Traduzido do inglês.

Yoshisuke Horitoyo em Nova York

O tatuador japonês que vem moldando sua arte em Londres e Paris agora está aqui.

No pequeno covil de um grupo de tatuadores no número 5 da Chatham Square, está um jovem artista japonês muito interessante e bastante conhecido em todo o mundo. O nome dele é Yoshisuke Horitoyo. Ele veio da Europa para Nova York há uma semana e imediatamente buscou um espaço com O'Reilly, tatuador de Chinatown.

Achei o famoso "Japa" trabalhando em um elaborado desenho colorido de um dragão de fogo no ombro de uma morena "Jackie" da região do Brooklyn. Várias pessoas esperavam a vez de serem atendidas pelo artista, entre elas dois homens do Calumet Club, que acabavam de descer de uma cabine motorizada.

Yoshisuke Horitoyo é um jovem de 34 anos, um artista do início ao fim, como muitos de seus compatriotas. Em repouso, seus traços não são particularmente individuais nem atraentes, mas na conversa seus olhos se iluminam e seu semblante mostra um caráter da mais aguçada inteligência e forte individualidade.

Como começou.

“Meus pais eram Toklyanos”, disse o tatuografista “e eu segui essa profissão por vinte anos. Desde cedo estive com o melhor tatuador de todos os tempos: Toyo, natural de Hakadidi, o criador dos designs mais notáveis ​​do mundo. Dele tirei a última parte do meu nome: Hori significa tatuador; Toyo, meu professor, que já morreu. Sob seu ensino especializado, logo me tornei hábil com a agulha. Você sabe que no Japão e em outros países do Extremo Oriente a tatuagem é vista com uma veneração supersticiosa. Às vezes, o evento é celebrado com um cerimônia considerável."

“Com tamanho aprendizado, meu professor se tornou muito habilidoso, se posicionando entre os artistas mais destacados de sua época. Um dos últimos desenhos antes de sua morte foi tatuado no braço do atual czar da Rússia, que, na companhia do príncipe George da Grécia, estava viajando pelo mundo."

“Há alguns anos, um oficial sênior do Exército Britânico me aconselhou a fazer uma turnê profissional pelo mundo, ficando em todas as grandes capitais o tempo suficiente para ser conhecido e encontrar uma clientela entre as melhores pessoas. Fui particularmente bem-sucedido em Viena, Paris e São Petersburgo, e gostava tanto de Londres que a tatuagem logo se tornou uma moda chique do West End, que fiquei lá por dois anos, fazendo de Earl's Court minha casa e estúdio.

Realeza Tatuada.

“Foi aqui que algumas das melhores pessoas do mundo vieram para ter designs únicos tatuados nelas, às vezes originais, muitas vezes brasões e escudos e até mesmo slogans e códigos, mas a maioria deles eram como os que você veria aqui em meus cadernos. Este desenho eu tatuei no ombro do jovem Duque de Marlborough e as duas bandeiras no braço do Duque de York."

"Sim, tenho alguns dos representantes da aristocracia europeia em meus livros, nomes como o Príncipe Valdemar da Dinamarca, o Grão-Duque Alexis - tio do atual czar russo, o Rei Oscar da Suécia, o Grão-Duque Constantino da Rússia, o Lorde Grande Mordomo Almirante da frota Moscovita, o duque de Gênova, o príncipe Henrique da Prússia - irmão do imperador, o arquiduque Estêvão da Áustria, o conde de Craven, que se casou com sua bela compatriota - Srta. Bradley Martin, o Lorde Beresford, o duque de Connaught, o falecido Sr. Chrystopher Sykes - amigo íntimo do Príncipe de Gales, Henry Irving Jr., o Marquês de Allesbury e dezenas de outros. "

“Eles não são todos do sexo forte. Muitos líderes sociais na Europa passaram pelo pequeno teste que, felizmente, com a ajuda de máquinas elétricas, se tornou bastante indolor. A rainha Margarida da Itália tem um símbolo tatuado, embora eu não tenha tido a honra de colocá-lo em seu ombro real.

"No entanto, tive o prazer de tatuar Lady Randolph Churchill, Lady Montague e outros líderes do exclusivo círculo do West End de Londres."

Para identificar soldados.

“Sim” continuou o “Japa”, com algum orgulho. “Duvido que haja uma dezena de artistas no mundo que tenham visto o interior de tantos salões europeus quantos eu e tenho a certeza de que nenhum dos meus compatriotas recebeu tais privilégios, nem mesmo líderes de estado e embaixadores. Creio que tenha "estragado" um pouco da minha vida japonesa, sempre tão humilde e monótona, mas depois de ter visto um pouco de seu maravilhoso país, sem dúvida voltarei para minha terra natal."

“Meu amigo O'Reilly me enviou alguns documentos”, continuou Horitoyo, após uma pausa, “nos quais vi que havia muita comoção em Washington em relação às tatuagens obrigatórias no exército e na marinha. O plano foi apresentado ao Congresso pelo general Fitzgerald e pelo coronel Garrett Mallory, creio eu, ambos homens de alto escalão, que argumentaram que o destino dos homens desaparecidos poderia ser esclarecido com maior precisão por símbolos tatuados em cada indivíduo. Foi uma jogada esplêndida, estou convencido, e os homens que encheram túmulos "desconhecidos" em Cuba em sua última guerra com a Espanha teriam pelo menos sido identificados com precisão."

“Acredito que a medida foi assassinada por um sentimentalista absurdo, que argumentou que uma marca tatuada seria uma espécie de símbolo de identificação de desertores e uma insígnia de servidão. O projeto morreu como consequência, ainda que excelente como pretendido."

“O imperador Guilherme muitas vezes planejou tal movimento em seu próprio exército e marinha e, certa vez em Berlim, um membro do pessoal militar alemão veio investigar oficialmente, com o objetivo de informar o Kaiser sobre as tatuagens, com que rapidez se poderia completar o trabalho de marcar para sempre cada membro de um regimento e os perigos que isso acarretaria, se existentes."

“Disse a ele que podia tatuar mil homens em um dia e que, quando se tratava de perigos, era muito menos do que um simples furo, pois minhas tintas eram da mais alta qualidade e totalmente antissépticas. Tatuei mais de cinquenta mil pessoas em minha carreira, nunca tendo um caso de envenenamento do sangue ou outro mal resultante. O oficial alemão ficou muito interessado, mas se o relatório ao imperador o levou a torná-la uma medida naval e militar obrigatória, não tenho como saber. Tenho certeza de que se o assunto for apresentado novamente ao seu Congresso, a visão sentimental desaparecerá e a prática continuará, já que o número de “desaparecidos” em sua última guerra, considerando o número de mortos e feridos, foi espantoso ”.

“Observe que essas tintas são muito brilhantes. São misturas secretas japonesas, absolutamente inofensivas e que mantêm seu brilho por vinte anos. Amarelo e verde foram o resultado de anos de estudo para criar cores permanentes, e agora apenas as aperfeiçoei. Eu uso combinações de vermelho, preto, azul, verde, laranja, marrom e combinações infinitas. Usadas ​​com habilidade, fazem desenhos muito eficazes."

Elimine uma donzela.

“Vou ficar um pouco em Nova York. Tenho cartas para alguns de suas melhores pessoas, mas como sou um homem modesto, prefiro esperar que venham me ver. Nunca tentei atrair o interesse das pessoas da sociedade, mas cedo ou tarde, quando me descobrirem, farei tudo o que estiver ao meu alcance. Dois cavalheiros do Union Club prometeram ontem à noite enviar outros e espalhar o interesse entre seus círculos; Mas as pessoas gostam de tomar o tempo necessário na hora de decidirem ficar com cicatrizes pelo resto da vida, e eu nunca as apresso. Já tive homens e mulheres que me procuraram quatro ou cinco vezes, enfraquecendo na hora, mas acabando voltando para a operação que, afinal, é muito insignificante e praticamente indolor."

“Remover desenhos? Sim, também posso fazer isso, mas é um processo desagradável. Ainda ontem, um jovem veio aqui com o nome de uma donzela no braço. Seu caso de amor estava obviamente acabado, e havia uma nova garota para lidar. Ele queria erradicar o antigo nome, mas quando eu disse a ele que levaria cinco dias e a pele cairia com o desenho, ele hesitou."

“Então eu recorri a um método antigo. Tatuei habilmente um navio em movimento acima do nome da garota e destruí completamente a donzela com ondas azuis balançando. Não demorou vinte minutos e, quando terminei, a garota que o havia deixado já estava cinco palmos abaixo do oceano, para nunca mais voltar à superfície."

“Ele ficou maravilhado, deu-me uma moeda de ouro de vinte dólares, embora os meus honorários fossem muito mais baixos, e saiu contente. Certamente foi um plano melhor do que o processo de erradicar o desenho com tanino e nitrato de prata, como sempre faço, e a operação é tediosa e dolorosa. "

O conhecimento dos modos e métodos europeus deu a Horitoyo uma certa distinção de porte e facilidade de expressão que caracterizam um homem do mundo. Ele é fluente em francês e inglês com graça e escolha de dicção.